sábado, 31 de outubro de 2009

Ganância

Eu devo saber alguma coisa.
Devo saber qual o ar que me respira,
qual o perfume que me endoidece.

Eu devo, certamente, saber tudo,
saber ouvir a cabeça,
ver dentro do grito mudo
algo novo que se apareça.
Eu devo ouvir o ruído surdo
da canção estranha, opaca,
velada na escuridão de um prado claro, tão longínquo,
tão indistinguível, imprevisível...
mas eu devo saber tudo.

Eu certamente sei
de cor as cores que não nomeio,
da noite constelada,
da brilhante alvorada
azul-branca que não veio.

E sei que certamente sei,
eu certamente, certamente sei!,
eu sei quem fez o mundo,
eu sei o mais profundo
beco do universo,
as fórmulas, a metafísica que faz em verso
a canção da eternidade!

Eu sei!

Eu sei que tudo na integridade é divisível!
Reconheço toda a emoção,
a saudade, a incerteza,
o desespero,
a beleza
com que tenho abraçado tudo quanto sei.

E eu sei tudo...!

Sei tudo da sombra que me envolve,
desta incessante interrogação,
sei tudo até mais não
do nada que devolve
a pergunta lançada ao ar...

o beijo que te não dei...
o último adeus, a desejar,
que saibas tão pouco quanto sei...


quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Fronteira

Zanguei-me ao espelho,
gritei, zombei
do desmaiado - outro olhar,
ralhei com a pobre triste,
com a pobre, triste mulher,
da qual não encontro nome
em nenhum registo,
em nenhum lugar.

Por momentos, quis partir tudo,
quis estilhaçar-me juntamente com os vidros
e sangrar-me toda
no silêncio social, ledo e cego,
no calar de todos,
na indiferença divina.
Num momento de insanidade,
ou realidade,
momento anestésico e sombrio,
esfaqueei-me até a alma me doer,
até tudo ser agonia em mim,
ate sofrer totalmente, tão totalmente
ao ponto de não doer já.

Batam-me.
Batam-me, que eu não me sinto.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

O Ressoar de Cós

Pisei o novo grão do mundo.
Ontem, ao olhar para ti de dentro do poço fundo,
quando o ar me beijou feito tempestade,
quando me sobrou do tornado só a sua fúria,
eu pisei o novo grão do mundo.

Ontem creio ter visto o mar pela vez primeira,
ter experienciado cada um dos grãos de areia,
cada uma das texturas numa pegada diferente,
já não medrosa, já não efervescente,
pacífica, feliz, quente,
pisando música na areia da praia presente.

Tudo ecoa, docemente,
sem que note, sem que acredite...
Perdi do espelho o reflexo,
calei da voz o amor.

Não preciso de amor.
Não tenho de ansear pelo amor,
amor de mim, de ti, em redor.
Já não preciso mais de amor.

O mundo, essa realidade interdita,
vai chorando de fora da janela,
da vidraça...
Observa desatento quem sufoca, quem passa,
quem corre, quem grita, quem coxeia...

Porém, onde minh'alma é infinita,
apenas dois, eu, eu tu,
o mar, o canto da sereia,
a chuva, o céu e nossa areia.

sábado, 3 de outubro de 2009

Inner Visit

"E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio
quero estar sozinho!"
Álvaro de Campos

Sim, sim...
Eu deito tudo para o chão
como tens deitado a vida,
eu olho para a vida,
tento fechar os olhos,
tento não ouvir nada dos outros,
nada! Nada!
Não quero ouvir nada
do que toda a gente tem
tão urgentemente para me dizer,
para me alertar,
para não errar mais,
para não chorar mais,
para que não sofra
nunca, nunca, nunca mais!

Se, de todos esses nomes,
alguém tiver para me dar
uma noite de chuva,
uma tarde de tempestade,
um lar, uma família,
então aceito o convite:
então pararei com tudo a que reajo,
cessarei os sentimentos neste mim esquisito,
contradito, dito e desdito,
fechado, sufocado, aflito.

Se nada disso mudarão,
então... porquê?
Quem são todos para olharem para mim?
Quem anda zombando do tempo que não passa,
que troça incessantemente das minhas expectativas,
da ânsia de querer,
de querer chorar, infantil e triste,
sozinha, sem ninguém...

Eu gosto de ser só.
Apenas me amedronto, me escondo
ao imaginar, no meu imaginário
monte, cultivado,
prestes a morrer,
prestes a morrer,
angustiada... angustiada
prestes a deitar ao nada
meu tesouro tão individual,
tão insensível,
tão angustiantemente apenas meu...!

Me entristeço... que tudo o que quero é não ser só...
é não ser só morrer...

Cheiros

Aqui, o vento que corre
é o grito que trago dentro.

Aqui, perdi do universo o centro,
tudo me cai da alma se ecoar...

Aqui, junto do mar e da sua fúria,
da sua dança particular,
aqui sinto o frio que me desperta.

Aqui cheiro a maresia.

Aqui choro a água e não as lágrimas
que tornaram líquido o meu sangue.
Tudo peixe, sal e vento,
tudo eu sem mim, sem luz e sem tempo.

Aqui, na praia que canta,
com o sol iluminando meus olhos,
com a ave cuidadosa,
que se vai, cautelosa, sem ruído,
aqui acredito não ter mentido a minha solidão.

Quero um convite das ondas
para mergulhar para longe.

Quero um pedido do mar
para cantar na sua língua para sempre.

Enchi os sapatos de areia
e trouxe a praia comigo.

6.09.2009

Ah, saudades!
Saudade contínua, tracejada,
de uma bolha de sabão imaginada,
de mim sobrevoando no seu interior,
de tudo desmantelando
ao começar a chover!

Tantas, tantas gotas!
tantos arco-íris, tantas cores
reflexos dos múltiplos redores
em meu redor.

Tantos mundos,
ocos profundos,
momentos ao relento,
momentos-fugas,
momentos-medo,
momentos-segredo.

Horas, minutos passando,
tic-tac's girando
no relógio perdedor!

Para quê?
Porquê?
Por quê?

Recolho a bolha, intacta,
sopro o vento para o outro lado
onde, estupefacta,
assisto a uma chavena de chá,
uma conversa retraída,
um olhar alado,
uma conversa-murmúrio,
um momento-guardado.
Rodopiando, quase sem ver,
minha bolha sem querer,
se torna luz, gota...
Caio.
Caí.

Aqui?

31.08.2009

As estrelas perigosas
nuvens intervalos nebulosas
atlântida cosmos natura
o tempo infinito-lonjura
que se propaga, defensor-apagador
credor em seu trono desmantelado.

O chão giratório, por debaixo da gravidade
universo escuro sem idade, claridade obscura

O grande país extinguir-se-á.

O vazio reinará o único inferno que sabemos.

Do nosso tempo       que restará do nosso mundo,
invejoso-infantil          terno?
Que é de mim            de ti?

Onde em ti a minha identidade     ?