sábado, 30 de janeiro de 2010

Duelo Temporal

Está frio
e sinto as mãos ressequidas
por um passado recente.

Estranho a mão doente,
faço um corte,
gota de sangue que cai escarlate,
pouco de um mim de morte.
Olho minha mão, sina sem sorte,
e corto os dedos, não quero os anéis.
Não quero cordas, grilhões ou pincéis
que pintem a felicidade por cima das minhas mãos.

Ao fundo da rua, que me escuta,
numa esquina qualquer de cidade,
de uma daquelas cidades que nunca vi,
que nunca soube,
que nunca, nunca pude confirmar,
o ponto de fuga, distante,
ri, ri, ri de mim!

Sou impotente. Ele sabe.
Ele sabe...eu não poderei fugir...!
Sinto o calor da minha mãe esquerda,
olho a mão direita,
a mão doente, a faca estreita,
o punhal que matou devagarinho o meu coração.

E o passeio, a esquina amaldiçoada,
gira por tudo e por nada,
entornando-me para uma gravidade
nula e má.
Eu quero cair.
Eu quero cair e sentir dores
e sangue
e fluxos de vida e de morte latejante
que me confirmem forte, constante
e freneticamente que alguma vez eu existi.

Porque eu tenho frio.
Porque, nas mãos que não passaram por mim,
eu sinto o frio...
o frio cruel e ressequido de um passado presente.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010


Um local sem trilhos, sem caminhos,
sem esperanças, sem lembranças,
sem fés, sem porquês,
vendo pela primeira vez
as novas cores da aurora,
o novo ritmo do novo agora,
um novo pranto que chora
e canta a meus pés...

E ser tudo, tudo de novo!
Ser terra e céu e povo
da nova vida que me nasce do mar..!

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010


Eu caminho em direcção à Lua
porque é ela quem fala comigo.
Da sua imensidão longíqua,
é ela quem sorri quando falo de manhãs,
ela é quem me acorda e vive meus sonhos.
Eu caminho à luz da Lua
porque a Lua é o meu caminho.

Eu socorro meu mísero e mesquinho
destino tão perdido, tão desiquilibrado
na certeza de existir o outro lado,
o místico, irreal desconhecido.
E vou andando no trilho luminoso,
insegura de meu passo perdido.

Contei mil e uma histórias para adormecer,
perdi a conta das vezes que pude fazer
de conta que voava, altiva e só, na noite escura.
Mas eu só sei da Noite Preta, da Noite Pura...

Eu caminho à luz da Lua
porque a Lua é o meu caminho.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Suave Mar Calmo

É um mito
a existência do obstáculo.
Não há obstáculos. Eu não vejo.

É uma mentira,
uma teia bem tecida,
que tudo é da vida o que não queremos,
que tudo em nós é sofrermos,
que tudo são feridas e pesar.

É falso, pelo menos eu não vejo,
que tudo não seja o que desejo,
que os sonhos não sejam a realidade
ilusória que me envolve.

Não queiras saber. Nada está aqui.
Eu não vejo.

eu não sinto ardor antigo das feridas,
esqueci as invenções que cantei como crente,
calei as ansiedades vividas, sempre vividas.

Quis ser eu por entre a estranha gente
que sepultou meu coração batendo.
Lutei, de peito sangrando,
renunciei ao estranho chamamento.

Tudo seria fácil, sabes?
Mas eu não vejo.

Eu não quero ver mais.
eu não preciso de ver mais.
Tudo está aqui
porque tudo está no arvoredo, que sorri,
na água que corre limpa entre nós,
no sol que me devolve
o som da minha voz.

Eu não quero ver, meu mundo é ouvir-te
chamar por mim, de olhos fechados,
lentamente, perfeitamente.

Eu não quero ver, porque o céu está já em mim,
já nada magoa, já nada dói.

Eu não preciso de ver para te sentir, suave mar calmo,
sempre forte, sempre perto,
sempre entregue.
Saber o som do teu sangue
palpitante no teu peito me é bastante
p'ra ver que és feliz.

Não, eu já não preciso de ver.
Tenho tudo já dentro de mim.